sábado, 15 de setembro de 2007

Ainda o IBGE: o desastre histórico do pobrismo

Reinaldo Azevedo

A Grande Fome Brasileira, que justificaria a doação de dinheiro do Bolsa Família, é uma invenção petista. Já não existia quando Lula chegou à Presidência da República. Atenção para o que é fato, não versão. Duda Mendonça aproveitou um caco de uma fala de Lula num dos programas do PT na TV e percebeu que havia ali ouro eleitoral: “Fome Zero”. O “Fome Zero” acabou se transformando no Bolsa Família, reunião dos vários programas assistencialistas do governo FHC, porém ampliados: eles chegavam a 5 milhões de famílias e passaram a atingir 11 milhões. Esperteza petista: unificar as “bolsas” numa única rubrica e mandar ver numa gigantesca operação de marketing — coisa que o governo anterior não fazia, praticando um assistencialismo envergonhado.

Fome, fome mesmo, aquela do sujeito esquálido, o tipo “biafra” dos livros de ilustração, acabou quando a economia brasileira pôs fim à inflação. Comer o bastante para ser um pobre em pé, eventualmente até gordo, passou a ser coisa barata. Lula, com a ajuda de setores da imprensa que lhe cantam as glórias, pode entrar para a história como o presidente que acabou com o que já não existia: a fome. Se tanto, vá lá, em algumas regiões do sertão nordestino, havia resquícios daquela fome apontada por Josué de Castro (pesquisar).

Pois bem. Qualquer economista com um mínimo de compromisso com o futuro — e não com uma agenda eleitoral: é questão de escolha — pode dizer o óbvio: se os mais de R$ 8 bilhões por ano do Bolsa Família fossem investidos em saneamento, educação e saúde, o país poderia, de fato, dar um salto gigantesco na qualidade de vida, em vez dessa melhora — sim, está melhorando um pouco, lentamente, faz tempo — a que se vai assistindo, a passos de cágado.

Vejam lá o post sobre investimento em saneamento. Como pode um país submetido a sucessivas crises econômicas ter investido percentualmente mais no setor do que este mesmo país vivendo o auge da prosperidade? É evidente que estamos diante de escolhas erradas, que dão prioridade mais à agenda eleitoral do que àquela que poderia nos levar a um salto de qualidade nem diria duradouro, mas permanente.

Chego a ficar chocado com a estupidez de certas “análises”. Diz-se com a maior serenidade: “programas sociais elevaram a renda do Nordeste”. Entenda-se por “programas sociais” o Bolsa Família. Ora, digamos que, dos mais de R$ 8 bilhões anuais da área, metade vá para a região. É claro que se provoca uma elevação da renda. Queriam o quê? O dinheiro aparece na conta. A questão é outra: esse dinheiro resulta em iniciativas econômicas, trabalho, atividade geradora de renda? A resposta é óbvia: NÃO. “Ah, incentiva a microeconomia local”, dizem alguns. Não! Subsidia a microeconomia local. Pare de doar o dinheiro para ver o que acontece.

O país vive a era da maçaroca de dados. O trabalho infantil é um bom exemplo. A depender do que se quer dizer com isso, ele ainda é gigantesco: mais de cinco milhões de crianças, o que quer dizer mais de 5% da mão-de-obra. Mas ele é igual no Nordeste e no Sul? O filho do pequeno proprietário sulista que o ajuda na lavoura é um “trabalhador infantil” como é o garoto que trabalha numa pedreira, subempregado como seu pai? O indicador é tomado como um sinal da iniqüidade brasileira, embora, de fato, se estejam misturando alhos com bugalhos. A iniqüidade, que existe, é outra e está justamente onde se vêem sinais de virtude. Até que o estado for a fonte da “diminuição da desigualdade”, o que se tem é perpetuação da desigualdade. Não é por acaso que, quando se mede o rendimento médio, mesmo neste suposto momento formidável e inigualável (ou “inigualado”) da economia, descobre-se que ele é menor do que era em 1996 — e não é pouca coisa: quase 10%.

O fato é que estamos — quase todos — muito felizes com a mediocridade. Eis o ponto. Certa feita, Lula afirmou que o crescimento brasileiro não tinha de ser visto na comparação com o resto do mundo, e sim na comparação consigo mesmo. Essa deve ser uma teoria econômica criada por Kin Jong-Il e referendada por Fidel Castro. Conformar-se com o Bolsa Família como motor do desenvolvimento social brasileiro e grande fator da diminuição da desigualdade é renunciar à aspiração de deixar de ser, um dia, um país pobre. O pretexto, como se vê, é meritório: é preciso dar pão a quem tem fome. Vão se catar! É preciso dar esgoto tratado a quem não tem pra que o sujeito não pise no cocô com o pé descalço e não contraia uma diarréia, lotando os hospitais públicos. É preciso dar escola — DECENTE! — a quem não tem. Com inflação sob controle, dadas as raríssimas exceções, não se morre de fome de jeito nenhum. De resto, não estou propondo entesourar os R$ 8 bilhões. Estou cobrando que sejam investidos: sim, no social, em vez de consumidos para a produção de mais cocô sem tratamento.

Ocorre que…
Ocorre que esta crítica se perdeu completamente. Uma parte da imprensa acredita que um bom caminho é mesmo fazer a doação para os setores excluídos do capitalismo, na certeza de que jamais serão incluídos, para que se possa, então, operar segundo critérios de mercado no “Brasil que funciona”. Isso dá certo? Mais ou menos. Vamos ficando onde estamos: pobrões, medíocres, na rabeira dos outros, sempre perdendo as melhores chances. Ricardovsky Berzoniev foi tomar aulas do Partido Comunista Chinês. Ele pode nos dizer se o atual motor do crescimento mundial saiu da lama — uma boa parte dos chineses ao menos — com coisas como Bolsa Família.

Dada uma opinião pública seduzida pela caridade como escolha moral, com setores da crítica especializada cinicamente engajados na economia das compensações, um próximo governo, ainda que de oposição, não terá como desmontar a máquina criada pelo PT. Ao contrário: os partidos que hoje lhe fazem oposição se vêem compelidos a com ele emular em novas “doações”.

Assim, a contribuição do PT ao atraso brasileiro já pode ser considerada histórica. Estaremos amarrados a essa equação por muitos anos. Nesse sentido, de fato, Lula pode mesmo evocar a memória de Getúlio Vargas. Aquele nos deixou uma legislação trabalhista que, hoje, jogou na informalidade mais da metade da mão-de-obra brasileira, com os efeitos conhecidos no sistema previdenciário e de saúde. O assistencialismo como ação redistributiva também se grudou às políticas públicas como craca. Não vai mais nos deixar tão cedo. E continuaremos sorrindo, na rabeira, felizes, tendo a nós mesmos como referência. É o que nos recomenda o Estimado Líder.

Por que escrevo isso? Ah, porque não gosto de pobre. Quem gosta é Lula. Gosta tanto que quer ajudá-los para sempre, se é que vocês me entendem…

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